Palestras
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30 de Julho de 2010
A lei de marcas e patentes brasileira
(Resumo da palestra inaugural do Seminário sobre Marcas e Patentes, promovido em Angra dos Reis, RJ, nos dias 30/31 de julho de 2010, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; Centro de Estudos e Debates do TJRJ – CEDES em parceria com o escritório Di Blasi, Parente, Vaz e Dias Advogados & Associados; Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, Consulado Geral dos Estados Unidos da América, Associação Brasileira da Propriedade Industrial - ABPI, Instituto Justiça & Cidadania, e Mayer Brown LLP)
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Ney Lopes – Ex-deputado federal; advogado sócio de “Lopes de Souza & Advogados Associados”; consultor professor de Direito Constitucional; jornalista; ex-presidente do Parlamento Latino americano e da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal. Relator geral e autor do substitutivo aprovado da Lei 9.279/96 (propriedade industrial), na Câmara dos Deputados – nl@neylopes.com.br – www.neylopes.com.br - www.lopesdesouza.adv.br
Tarefa penosa, difícil, incompreendida, a que tive como relator geral da atual Lei de Propriedade Industrial, durante quatro anos, na Câmara dos Deputados a qual, ao final, recolocou o Brasil entre aqueles países que respeitam a Propriedade Intelectual. uma experiência singular para quem, na condição de advogado e político, colaborou como legislador no cumprimento do chamado Acordo TRIPS, inserido na Ata Final da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais, aprovado pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo nº 30, de 15 de dezembro de 1994.
O acordo TRIPS – como sabido - regula a proteção dos direitos de propriedade intelectual, ou seja, patentes, direitos autorais, marcas registradas, indicações geográficas e desenhos industriais e sugere que todos os membros da Organização Mundial do Comércio protejam a propriedade intelectual, na forma do disposto na Convenção de Paris e acordos posteriores.
O DEBATE LEGISLATIVO
O debate legislativo foi intenso, com momentos de grande tensão gerados pelas posições ortodoxas de quem confundia a garantia da propriedade intelectual com dogmas ideológicos. Houve certa redução das pressões das áreas politicamente radicais, após esclarecimentos de que Fidel Castro ao chegar ao governo de Cuba, uma das suas primeiras preocupações foi aprovar lei de patentes para garantir inventos cubanos e enfrentar o que ele denominava de “imperialistas”. A Rússia e países da antiga “cortina” tiveram idêntico comportamento. A aprovação da lei não apenas resgatou antiga dívida que o país tinha desde 1945 (para produtos) e 1967 (para processos de fabricação), com os legítimos titulares de direitos sobre suas invenções, como também colocou o Brasil em posição de vanguarda na legislação internacional, em matéria de propriedade industrial.
A lei 9.279/96 é responsável também por avanços significativos como pesquisas de drogas de biotecnologia, legislação dos medicamentos genéricos, melhorias no INPI e no judiciário com varas especializadas, novos investimentos e processos de transferências de tecnologia, estímulos às parcerias Universidade/Empresa, com a fixação de pesquisadores e desenvolvimento de pesquisas locais, por empresas nacionais.
Observe-se que as empresas nacionais do setor de medicamentos - após a lei 9.279/96 - apresentaram crescimento significativo. Se não existisse a proteção da patente, o Brasil hoje seria um país de terceiro mundo e não estaria no BRIC.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
A proteção patentária no Brasil tem fundamento na chamada cláusula “petrea” do artigo 5°, inciso XXIX (Capítulo dos Direitos e deveres Individuais e Coletivos) da Constituição vigente
A nova Lei de propriedade industrial, que regulou o princípio constitucional acima, entrou em vigência (carência), um ano após a sua publicação.
O texto aprovado, ainda hoje é citado como uma dos mais avançados da América Latina.
A principal mudança foi a não exclusão de matéria patenteável. Até 1997 – vigência da lei - o Brasil não reconhecia patentes de produtos farmacêuticos e os respectivos processos industriais. Isto criou inúmeros obstáculos à inserção do país na economia mundial. Com a nova lei passaram a ter garantia de patente não apenas os fármacos e seus processos, mas também produtos químicos, produtos e processos de alimentos, ligas metálicas e micro organismo transgênico, desde que atendam aos requisitos da novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (art. 18).
Historicamente, legislações semelhantes surgiram na Inglaterra em 1449 e 1624 com o estatuto de James. Em 1790, nos Estados Unidos.
O reconhecimento definitivo dos direitos sobre as criações intelectuais consolidou-se com a Revolução Francesa. Em 1791, ao promulgar a Lei Chapellier, que extinguiu os privilégios das corporações de ofícios e consagrou a liberdade de indústria, a Assembléia revolucionária votou leis de proteção aos autores e aos inventores.
PATENTES NO BRASIL
Em nosso país, a busca de proteção da propriedade intelectual vem de muito distante. D. João VI chegou em 1808 e já um ano depois - em 28 de abril de 1809 – baixava Alvará de proteção ao invento, colocando o nosso país como uma das quatro primeiras nações no mundo a ter uma legislação sobre o tema. Passou-se da proibição de trabalhar, ao direito de trabalhar com incentivo tributário e de patentes. Quem inovasse com uma nova máquina, ou um novo processo de fabricação e o submetesse à Real Junta do Comércio, teria o seu privilégio por catorze anos.
No ano de 1830, em substituição ao Alvará de D. João VI, foi publicada a primeira lei de patentes no Brasil, cujo projeto teve a autoria do então Deputado Rui Barbosa e recebeu o seu parecer.
Em 1883, prosseguiu o pioneirismo no Brasil, na condição de um dos 14 (quatorze) países signatários da Convenção de Paris, que deu origem ao Sistema Internacional da Propriedade Industrial, tendo sido a primeira tentativa de harmonização internacional dos diferentes sistemas jurídicos nacionais.
A atual legislação brasileira de proteção à propriedade intelectual – seguiu a experiência internacional – ao estabelecer garantias para os chamados bens intangíveis, assim entendidos como o capital intelectual, marcas, direitos autorais, patentes, franquias, domínios de internet, copyrights e softwares.
BIOTECNOLOGIA & PATENTES
Nos calorosos debates na Câmara dos Deputados um dos pontos mais controvertidos foi o patenteamento das inovações no campo da biotecnologia, que começavam a despontar, assim entendidas como a transferência para a indústria ou o agronegócio dos avanços científicos e tecnológicos, decorrentes de pesquisas em ciências biológicas.
O artigo 18, alínea III da Lei proibiu a concessão de patentes para “o todo ou parte de seres vivos”. Porém, excepcionou os “microorganismos transgênicos”, desde que atendam aos pressupostos da patenteabilidade, ou seja: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial (art. 8°). Excluíram-se, por óbvio, as descobertas.
Nas discussões, o patenteamento dos produtos originários da biotecnologia, girou em torno do parágrafo único do artigo 18, que afinal estabeleceu: “para os fins desta lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais”.
Embora com discordâncias, prevaleceu a maioria no Congresso Nacional em 1995, que optou por não conceder patente a plantas e animais, mesmo transgênicos. Observe-se que o acordo TRIPS (Trade Ralated Aspects of Intellectual Property Rights - Aspectos Comerciais dos Direitos de Propriedade Intelectual - TRIPs) realmente autoriza tal exclusão (artigo 27). Entretanto, é o mesmo acordo TRIPS que recomenda a revisão do princípio, quatro anos após a entrada em vigor.
O DESAFIO ATUAL
O desafio atual do Brasil atual é como definir os fundamentos legais que regulem, de forma estável, a relação econômica – fundamental para o nosso futuro – decorrentes dos avanços da biotecnologia no desenvolvimento da Amazônia e o reconhecimento da propriedade intelectual no agronegócio. Ao longo de séculos, o conceito de desenvolvimento para a região amazônica evoluiu da simples ocupação e do extrativismo básico para a exploração grosseira e desordenada dos produtos da floresta, culminando com a aplicação de tecnologias industriais modernas no desmatamento agro-pecuário e madeireiro. Lado a lado com as queimadas, provocadas e espontâneas, que devastam grandes áreas de cobertura vegetal nos meses secos, aquelas ações antrópicas foram responsáveis pelo encolhimento progressivo da maior floresta úmida do planeta, que abriga um percentual impressionante da diversidade biológica conhecida e porcentagem ainda maior das reservas hídricas, cada vez mais preciosas para a subsistência do Homem na terra.
É óbvio, que a proposta de desenvolver a Amazônia há que ser entendida como um conjunto coordenado de ações sócio-econômicas e culturais, que resulte no respeito que conserva nossa riqueza biológica, ao mesmo tempo em que promova a integração amazônica, através de processo de desenvolvimento sustentado, apoiado no que melhor podem oferecer Ciência e Técnica à exploração racional das riquezas da floresta. Para isso, é necessário montar a longa cadeia de agregação de valor, que vai da floresta aos mercados mundiais de alta tecnologia, integrando não só na base do processo, mas ao longo de todos os seus estágios, até os mais avançados e próximos dos mercados finais.
PERSPECTIVAS FUTURAS
Em termos de perspectivas futuras na proteção a bens intangíveis, especificamente a exploração dos benefícios propiciados pela bioprospecção e bioindústria, não se poderá jamais omitir que parte dos recursos auferidos deverão ser destinados às tarefas de conservação da diversidade biológica. O mecanismo de compensação da Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992 estipula que esta seja a primeira conta paga, ao lado dos demais lucros, sob pena da conquista da última fronteira da natureza transformar-se em vitória de Pirro.
A proteção à propriedade intelectual é fundamental para o avanço da biotecnologia. O Brasil detém a maior diversidade do planeta. Riquezas diversificadas jazem nas cadeias de nucleotídeos e nos fitoquímicos dos bosques brasileiros. Segundo a ONG - Conservation International -, dos 17 países mais ricos em biodiversidade do mundo (entre os quais figuram Estados Unidos, China, Índia, África do Sul, Indonésia, Malásia e Colômbia), o Brasil está em primeiro lugar, por deter, 23% do total de espécies do planeta. A Suíça tem apenas uma planta endêmica, a Alemanha, 19 e o México, 3 000. O Brasil tem 20.000 apenas na Amazônia. Adiciona-se a isto, a variedade de espécies vegetais, de mamíferos, aves, répteis, insetos e peixes da Mata Atlântica, do cerrado, do Pantanal, da caatinga, dos manguezais, dos campos sulinos e das zonas costeiras. Apenas cerca de um terço da flora mundial foi estudada até hoje para utilização como matéria-prima.
Em verdade, a patente protege o inventor, por um tempo determinado, não constituindo monopólio. Trata-se de proteção temporária ao invento. A sua natureza legal vincula-se a um direito de exclusividade no exercício de certo tipo de atividade econômica. A prova maior de não caracterizar monopólio é o fato de existirem diversas tecnologias alternativas para solucionar o mesmo problema, o que exclui por completo a idéia de monopólio da patente.
Há que se observar, igualmente, o seu caráter transparente, por garantir o conhecimento público do invento e não torná-lo oculto ou escondido. Isso ocorre, em razão da concessão estar condicionada a publicação de relatório descritivo. A proteção dada é exclusivamente para evitar a “cópia ilegal”, enquanto a patente não cai em domínio público.
CIENTISTAS BRASILEIROS
De 1945 a 14 maio de 1996, os cientistas brasileiros bateram à porta de outros países para patentear os seus inventos. Tudo pelo fato do então Presidente Getúlio Vargas ter suspendido as patentes farmacêuticas, quimico-farmacêuticas e de alimentos. O longo período de proibição resultou em prejuízos visíveis ao desenvolvimento cientifico e tecnológico do Brasil.
Recorde-se que a Embrapa – eficiente empresa de pesquisa agrícola - patenteou no Chile um feijão mais nutritivo, resultado da engenharia genética e no Paraguai um vírus desenvolvido para combater praga da soja. O biólogo brasileiro Flávio Alterthum inventou na Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, bactéria capaz de produzir álcool combustível, a partir de restos de plantas. Depois, a Universidade da Flórida vendeu a licença de seu uso a uma usina brasileira de álcool. Quer dizer: o Brasil adquiriu direitos patentários a si próprio.
PATENTE E PREÇO DO PRODUTO
Outra preocupação intensamente debatida no Congresso Nacional era a possibilidade da adesão do Brasil ao sistema global de patentes colaborar para o aumento do preço final do produto. Por essa razão, o texto aprovado assegurou ao Estado manter todo o seu poder de coibir abusos com o uso dos mecanismos disponíveis, inclusive a legislação de combate aos excessos do poder econômico, que vise à dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. Ficou claríssimo que “patente e marca” nada têm a ver com preços de mercado. São duas situações distintas, ambas protegidas pelo texto Constitucional e cada qual com a legislação infraconstitucional apropriada.
O preço do produto patenteado está em função da política econômica, sobretudo a cobrança de tributos pelo Estado. A patente não aumenta o preço. Ao contrário, estimula a competição através da inovação, melhorando a qualidade e reduzindo custo.
De forma geral, o país dispõe de conjunto moderno de leis para estímulo à ciência e a geração de tecnologia, em que pese à necessidade de correções, ajustes e novos avanços.
Encerro, afirmando que o Brasil está mais arrojado, pois saiu de uma posição defensiva e busca, com a devida sensatez, caminhar para o efetivo desenvolvimento científico, tecnológico e econômico.
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