Opinião
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19 de Setembro de 2010
Os olhos do meu pai
Rodrigo Nunes de Lima era um jovem de 17 anos. Residia em Igapó. Sonhava em crescer na vida, estudar, ajudar os seus pais e ser útil. Fatidicamente, no último dia 8 tombou sem vida com um tiro na cabeça, brutalmente assassinado por "gang" de torcida organizada. Os seus familiares decidiram doar os órgãos do seu corpo (córnea, coração, pulmão, intestino e rins) para transplantes. Seis pessoas passaram a ter direito à vida, com este gesto solidário.
O transplante é um avanço na medicina. Na Antiguidade, conta a lenda, que Cosme e Damião - médicos, mártires cristãos, patronos dos cirurgiões - ao atenderem um doente com a perna gangrenada teriam feito o primeiro transplante para evitar a amputação. No século XIX, realizou-se transplante ósseo, reconhecido pela ciência, na Escócia. Em 1931, na Itália transplantaram-se, com sucesso, glândulas genitais. Em 1954, um gêmeo cedeu, com sucesso, rim ao irmão em Boston. Somente em 1967 o mundo assistiu extasiado o transplante de coração ocorrido na África do Sul pelo doutor Christian Barnard, que transplantou o coração de uma mulher que falecera.
No Brasil, os transplantes estão autorizados pela Constituição (art. 199 § 4°) e a lei 9.434/97.
Após a descoberta do DNA pela biologia, o maior avanço até hoje foram às células-tronco, que no futuro dispensarão os transplantes. Em 1998, dois cientistas americanos multiplicaram em laboratório, células comparáveis a tijolos. Da mesma forma, que numa construção são empregados tijolos desde o alicerce até o topo, a natureza utiliza as células-tronco para a construção do ser humano. Injetadas no organismo, as reações orgânicas se encarregam de repor o tecido danificado, ou construir outro para substituí-lo. Verdadeira revolução na medicina!
Em 2008, o STF aprovou as pesquisas com células-tronco embrionárias, transformando o Brasil no primeiro país da América Latina e o 26° no mundo a permitir esse tipo de investigação cientifica. A lei de Biossegurança (11.105/05) libera a pesquisa com células-tronco de embriões. Abrem-se perspectivas para a cura, através da recuperação de tecidos para evitar o enfarte; diabetes; regeneração da pele, tendões (casos de artrite); e células troncos para órgãos humanos.
A evolução é imprevisível. Cientistas da Universidade de Minesota (USA) descobriram células-tronco na medula óssea, que se transformam em qualquer tipo de tecido do corpo humano.
A família do adolescente Rodrigo, ao doar os seus órgãos, colaborou com a evolução da ciência. O episódio recordou-me os "olhos do meu pai", Josias de Oliveira Souza, falecido em 1971. Ao vê-lo sem vida, com as pálpebras em descanso, recebi apelo de uma equipe médica do navio-hospital americano "Hope", então ancorado em Natal para prestar assistência de saúde. Pediram-me a doação da córnea dele para transplante. Era um pedido estranho e até rejeitado, na época. A decisão teria que ser imediata. Consultei a minha mãe e irmãos. Todos me delegaram a palavra final. Não titubeei. Autorizei a doação, mediante a condição de não saber (como até hoje não sabemos), quem passou a ter visão com a córnea doada. Pelo perfil profundamente humano do meu pai, tenho certeza que ficou feliz e descansa em Paz, por outro ser humano ter passado a enxergar o mundo com os seus olhos. Com certeza, o mesmo acontece com Rodrigo, na Eternidade.
- Ney Lopes – Jornalista; advogado, professor
de direito constitucional e ex-deputado federal.
Publicado aos domingos nos jornais
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