Opinião
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23 de Maio de 2010
Vale ou não a “ficha limpa”?
O projeto de lei da “ficha limpa” está sendo bombardeado por argumentos de inconstitucionalidade. Alega-se a “presunção de inocência” , ou seja, não se aplica pena, sem que o réu seja considerado culpado, através de sentença transitada em julgado.
Discordo da inconstitucionalidade alegada. A inelegibilidade será apenas um critério eleitoral. A sociedade pode estabelecer os critérios para a elegibilidade, em nome da idoneidade da democracia, do sufrágio e a proteção ao princípio da moralidade, definidos no artigo 37 da Constituição. Se isto fosse proibido, seriam inconstitucionais medidas como, por exemplo, exigir alfabetização dos candidatos, domicílio eleitoral no local e idade mínima.
Por acaso, um empregado que tentasse matar o patrão só poderia ser demitido por justa causa, após o transito em julgado da sentença condenatória? Um indivíduo condenado em primeira instância como pedófilo participaria de concurso público para professor de uma creche, sob alegação da “presunção de inocência”? Um Juiz concederia a adoção de criança, a quem tenha sido condenado em primeira instância por crime sexual? A prisão preventiva ou em flagrante, motivadas pela ordem pública, ferem por acaso a “presunção de inocência”? O arresto e o sequestro judicial de bens desrespeitam a propriedade privada? Fere a liberdade de expressão proibir a empresa jornalística de promover certos candidatos, durante a eleição?
A exigência da “ficha limpa” amplia o número de situações, em que o registro de uma candidatura é impedido de se concretizar. Não antecipa a culpa. Deveria ser iniciativa do próprio candidato retirar-se da disputa e provar a sua inocência. É como alguém que sofre acidente e fica impedido de andar por algum tempo. Não significa que seja paralítico. Apenas, não andará durante um período.
O STF em 1996 decidiu que “inelegibilidade não constitui pena. Possibilidade, portanto, de aplicação da lei de inelegibilidade a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência”. A emenda do senador Francisco Dornelles, que incluiu no texto a expressão “que forem”, não significa dizer “que a partir de agora sejam”. O termo “que forem” já era usado na lei de inelegibilidade (LC nº 64, de 1990), e essa lei se aplicou a candidatos condenados antes de sua publicação. Por outro lado, será estranho adiar a exigência da “ficha limpa” para a próxima eleição. Não se trata de alteração do “processo eleitoral”, que justifique aplicação do artigo 16 (anualidade eleitoral). Exige-se, unicamente, nova condição de elegibilidade para os candidatos. Só isto!
Sobre a “presunção de inocência”, a tradição do STF é não antecipar os efeitos da culpa. A “ficha limpa” não caracteriza cumprimento antecipado de pena. O inelegível continua cidadão, na plenitude dos seus direitos políticos. Retira-se, apenas, a possibilidade de se eleger em certos casos. A exigência é muito mais cautelosa, do que a restrição em concursos públicos realizada por uma banca, sem o crivo de juízes togados.
É bom recordar, que a regra do exame da vida pregressa dos candidatos está escrita no artigo 14 § 9° da Constituição, desde 1988. Será que a Constituição ao falar de “vida pregressa” é inútil, inconsequente e vazia? Quando se aprecia a constitucionalidade de uma lei devem ser levados em consideração todos os artigos da Constituição e não apenas alguns. Fiz muito esta análise, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal.
- Ney Lopes – Jornalista; advogado, professor de direito constitucional e ex-deputado federal.
Publicado aos domingos nos jornais
DIÁRIO DE NATAL e GAZETA DO OESTE
Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte
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