Opinião

• 11 de Outubro de 2009

  Não há perigo de melhorar!

  

   

   

              A coerência política no Brasil está se tornando fruta rara. Certo estava o meu motorista, quando defendia: “quem tem boca diz o que quer”. Diz-se uma coisa hoje; outra amanhã. Fica o dito pelo não dito e tudo bem! Antes, os políticos usavam metáforas e recursos literários para explicar situações em conflito. Carlos Lacerda era mestre nisto. Certa vez, indagado sobre as razões pelas quais procurara os inimigos JK e Jango, na formação da “frente ampla”, respondeu: “Livre, enfim, de compromissos com tudo mais, fiquei unicamente obrigado para com a minha mestra e ama, a inteligência”.

              Ouvi recentemente inflamado discurso do Presidente Lula. A certa altura chamou de imbecis e ignorantes aqueles que classificam o Bolsa Família como um programa eleitoreiro, ou assistencialista. Ao reajustar o valor do benefício em 9.58% declarou o chefe da nação: "alguns dizem assim: o Bolsa Família é uma esmola, é assistencialismo, é demagogia e vai por aí afora. Tem gente tão imbecil, tão ignorante, que ainda fala o Bolsa Família é para deixar as pessoas preguiçosa, porque quem recebe não quer mais trabalhar'".

              Lula esqueceu o que afirmou, de alto e bom som, em entrevista no ano 2000, quando era candidato à presidência. Na época declarou: “lamentavelmente o voto no Brasil não é ideológico. Lamentavelmente, as pessoas não votam partidariamente, e lamentavelmente você tem uma parte grande da sociedade que pelo grau de empobrecimento, ela é conduzida a pensar pelo estômago e não pela cabeça. É por isso que existe tanta cesta básica, é por isso que existe distribuição de tantos litros de leite. Porque isso na verdade é uma peça de troca. E assim você despolitiza o processo eleitoral”.

              Lula se referia às oligarquias tradicionais. Hoje faz pior do que os oligárquicos. Distribui dinheiro – moeda sonante – à luz do meio dia. Esqueceu também de quando assemelhou os políticos brasileiros ao estilo de Pedro Álvares Cabral, que distribuía bijuterias para “ganhar os índios”. Em discurso de campanha disparou: “no processo eleitoral você trata o povo mais pobre, da mesma forma que Cabral tratou os índios quando chegou ao Brasil: é tentando dar bijuterias e espelhos para ganhar os índios. Processo típico de dominação”.

              A senhora Ruth Cardozo – já falecida – lançou no governo FHC, um plano para que as diferentes bolsas então existentes (bolsa-escola, bolsa-alimentação etc) fossem unificadas, em torno de apenas um eixo - no caso, a família -, através de um único cadastro para os programas. Os recursos aplicados exigiriam dos beneficiários “contra partida”, de forma a não estimular o fisiologismo e o ócio social. No início do seu governo, o discurso do Presidente Lula era o combate a fome. Em 2007, perante mais de 2500 lideranças políticas e empresariais lançou em Davos, na Suíça, a sua agenda de erradicação da fome. Depois, esqueceu o que prometera e se fixou no “bolsa família”, idéia da antropóloga Ruth Cardozo, cuja implantação sofreu grandes distorções.

              Aproxima-se 2010. Com a legislação aprisionada aos vícios do passado, pouco se espera em termos de mudanças. Certamente, os discursos serão da conveniência do momento. Coerência, jamais. A linha é tirar proveito eleitoral de um lado e outro.  Prevalece o instinto da sobrevivência, colocado a prova no embate eleitoral. Um verdadeiro “vale tudo”, com a certeza antecipada de que Luis Eduardo Magalhães, mais do que nunca, tinha absoluta razão quando afirmava: “do jeito que está, realmente não há perigo de melhorar!”.

   

  • Ney Lopes – Jornalista; advogado e ex-deputado federal

  Publicado aos domingos
  nos jornais DIÁRIO DE NATAL e GAZETA DO OESTE
  Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte 

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