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Opinião

  • 21 de Junho de 2003

    REFLEXÕES DE UM OPERADO

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    REFLEXÕES DE UM OPERADO

    A minha principal ferramenta de trabalho é a voz. Passei um susto, quando o meu médico, na semana passada, diagnosticou que tinha pólipos nas cordas vocais e precisava operar, sob pena de comprometer a voz. Não sendo fumante, fui tranqüilizado de saída. Ninguém é mais covarde para hospital, do que eu. Mas, enfrentei. Segui para SP e procurei o Dr. Paulo Pontes, a conselho do Dr. Damião. Enquanto isto, em Natal, minha esposa, Abigail, no mesmo dia era cirurgiada.  Como creio em Deus, aceitei tudo com resignação.

    Aconselhado a falar pouco (e depois da cirurgia não podia falar nada), juntei alguns livros para ler e reler. Um deles, “Inveja-mal secreto”, de Zuenir Ventura. É um dos sete volumes, denominados “plenos pecados capitais”, escritos por talentosos intelectuais, inclusive João Ubaldo Ribeiro (“A luxuria”).  Zuenir, na longa pesquisa que fez sobre a “inveja humana”, relata o período em que enfrentou também o diagnóstico de um pólipo (que indaga se é a mesma coisa de polipo). E ele, como eu, chegamos tensos, numa fria manhã, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. “Quando me olharam, achei que havia qualquer coisa de “bem vindo” ao clube..... as pessoas sentadas..... não tinham cara de hóspedes, mas de pacientes”. Tremi nas bases.

    Fui operado e o resultado final da biópsia foi “benigno”. Escapei, graças a Deus. estou bem.

    Sem poder falar e ao lado da minha esposa em convalescença (que está muito bem), prossegui na leitura do livro de Zuenir Ventura. Até porque, a inveja sempre me perseguiu na vida. Talvez, por ter chegado ondemuitosnão permitiriam. Mas, afinal, o que seria a inveja humana? Cervantes afirmara, dirigindo-se a Sancho Pancha: “Todos os vivos, Sancho amigo, trazem consigo o sabor do leite; mas quando têm inveja trazem o sabor da desgraça, do rancor e da raiva”. Zuenir observa que a inveja não age sozinha. É sempre estimulada e apoiada. “Pertence a uma família incestuosa, em que às vezes não se sabe quem é filha e quem é irmã, sabe-se apenas que todos são parentes”.

    Reli também o conto do cronista Roque Teóphilo, sobre o mesmo tema, em que ele narra o sobressalto de um jovem estudante, vitorioso nos estudos, raptado à noite por um vulto, com ares sinistros e tenebrosos e o rosto encoberto. Voz estranha exclama: “quero levar-te para um mundo perverso, que é conhecido pelos mais idosos. Uma coisa te peço: nada perguntes. Apenas veja”. O vulto conduz o jovem numa estrada íngreme e anuncia: “ esta é a estrada da vida e é muito difícil alguém passar por ela sem ser vítima dos covardes, dos bajuladores, dos algozes subordinados”. A certa altura, a voz anuncia: “Olhe aquela sombra solitária, da qual poucos se aproximam. É a bondade, tendo ao lado a humildade. Elas conversam em harmonia. Por trás, nãopara enxergar outra imagem camuflada e arrogante. É a hipocrisia, que tem uma terrível amiga e parceira, que como a Hidra de Lerna, é uma serpente de sete cabeças, que renascem quando são cortadas. É a inveja. A bondade, a modéstia e a razão estão quase sem vida. A inveja pela submissão e mediocridade ocupa os espaços”. O vulto retira o véu e apresenta-se ao jovem: “Meu jovem eu sou a vida. Temei a inveja que é mãe de todos os males, porque se esconde atrás de máscaras. Ela é sorrateira, oportunista, como uma serpente venenosa, que sem barulho ataca e envenena a sua vítima, que nem percebe”.

    Voltando ao livro de Zuenir, o seu relato sobre a inveja é contundente, a começar quando recorda a  citação de Tom Jobim: “Sucesso no Brasil é ofensa pessoal”.

    Escreve Zuenir: “A inveja nunca existiu para produzir heróis, vilõesassim na Terra como no Céu (e no Inferno): Salieri, Iago, Caim, Satã”.

    O padre José Roberto, citado por Zuenir Ventura, mostra o esconderijo subalterno da inveja, quando exemplifica: “como professor há 24 anos, nas minhas listas de chamada sempre havia o nome Abel, mas nunca encontrei Caim”. “O crime de Caim tem incendiado a imaginação dos escritores – de Santo Agostinho a Shakespeare, de Ovídio até as novelas de televisão”.

    O psicanalista Joseph Berke, no Conto do pároco, lembra o sermão sobre a penitência, em que a inveja é considerada o pior pecado que existe, “porque todos os outros pecados são contra uma virtude, enquanto ela é contra toda virtude”.

    Iago, personagem  de Shakespeare, é outro símbolo da inveja humana. Pela subalternidade, mediocridade, desejo de agradar aos poderosos, lança dúvidas sobre a reputação de Desdemôna, o grande amor de Otelo. Com o desejo de agradar, como acólito, ele rasteja, se aproxima de Otelo e inocula o ciúme e a desconfiança, provocando a tragédia.

    Salieri é outro exemplo, também lembrado por Zuenir. Ele não suportava o talento de Mozart, o grande compositor e fez tudo, direta e indiretamente, para destruí-lo. Pouco aparecia, mas estimulava e apoiava tudo. Salieri é o sinônimo da “corrupção humana, da difamação e do ressentimento destilado. Milos Forman, no filme Amadeus, coloca Salieri dizendo: “Envenenei a reputação de Mozart pela calúnia constante”.

    Confesso que refleti muito nestes últimos dias. A leitura de fatos e conceitos enriquece e reafirma valores. Não pude deixar de reler também um pouco do grande Ruy Barbosa, quando ele diz: “Pelo contrário, os que se tem por notório e incontestável, excederem o nível da instrução ordinária, esses para nada servem. Por quê? Porque “sabem demais”. Sustenta-se que a competência reside, justamente, na incompetência. Vai-se, até, ao incrível de se inculcar “o medo dos preparados”.

    O judeu Nilton Bonder, igualmente a Zuenir Ventura, estudou a inveja e escreveu o livro A cabala da inveja. Depois de muito trabalho, ele concluiu em sua obra que uma pessoa pode ser conhecida através de três caminhos: a comida, o dinheiro e a inveja, ou seja, usando o seu prato, o seu bolso ou a sua raiva. A intenção de Bonder ao escrever o ensaio foi isolar o vírus da inveja, porque se ela não for eliminada “ incorpora a ganância, a avareza, a voracidade, o ciúme e, sobretudo, o ódio escamoteado e surdo”.

    Já no final da semana, calado, sem poder falar, depois de uma cirurgia delicada, recebi no computador confortável mensagem de um Grande Amigo. O pensamento me trouxe Paz e Tranqüilidade, diante da maldade humana que havia meditado. O imortal Chico Xavier, indagado sobre a sua atitude diante do mal que lhe faziam, inclusive aos seus familiares, respondeu com grandeza humana e cristã: “O mal que me fazem não me faz mal. O mal que me faz mal é o mal que eu faço porque me torno mal”.          

    Coluna Publicada aos domingos
    nos jornais O POTI e GAZETA DO OESTE
    Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte


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