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Opinião

  • 01 de Maio de 2004

    DEMOCRACIA OU DITADURA?

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    DEMOCRACIA OU DITADURA?

    A condenação parecia ser a voz geral, quando se recordava o passado recente do Brasil e se falava em risco de ditaduras, ou regimes fortes. Surpreendentemente, não foi isto que constatou a pesquisa divulgada na última semana pelas Nações Unidas, realizada em 18 países latino-americanos. É inacreditável e apreensivo o nosso reduzido percentual de apoio à democracia, inferior a média latino-americana de 2.03%. O Brasil está em 15° lugar, à frente apenas da Colômbia, Paraguai e Equador. De cada 100 brasileiros, apenas 31 consideram-se democratas, enquanto na América Latina a média é 43%. Os não-democratas concordam com a frase "não importa se um governo é autoritário, desde que ele resolva os problemas econômicos". Aí cabe lembrar a advertência de Napoleão: "parece que a maioria dos que não querem ser oprimidos, querem ser opressores".

    Mesmo com tal descrença na democracia, a pesquisa constatou o Brasil como sendo o "campeão" da Democracia Eleitoral na América Latina, por ter o mais livre e democrático processo eleitoral do continente, ampla participação popular, sufrágios limpos e o voto usado como acesso aos cargos públicos. Nesse particular, cabe louvar o Poder Judiciário, sobretudo a justiça eleitoral. A propósito, a pesquisa confirmou - ao contrário do que se alega - que o Brasil está abaixo da média latino-americana na destinação de recursos orçamentários para o Judiciário (2.1% contra 2.5%). Em número de juízes "per capita" o nosso país situa-se entre os mais baixos do continente: 3.6% juízes para cada grupo de 100 mil habitantes, contra 4.9%/100 mil na média latino-americana e 16%/100 mil na Costa Rica (a maior relação entre os países pesquisados). Judiciário fraco significa democracia fraca. Esta é a regra histórica.

    DEMOCRACIA EM QUEDA

    A fragilidade da democracia na América Latina é demonstrada pelo índice de 54.75% de preferência pelo autoritarismo, condicionado à solução dos problemas econômicos. Uma das maiores causas da descrença é o descumprimento das promessas dos candidatos em campanha, ao mentirem para ganhar as eleições (de cada 100 latino-americanos, 65 alegaram este motivo). Há 25 anos, apenas três dos 18 países pesquisados, viviam em democracia. A razão básica da crise atual também está nas fortes tensões provocadas pelos altos níveis de pobreza e a mais elevada desigualdade do mundo. A democracia latino-americana não se enraizou na convicção popular. O desemprego, vencimentos baixos, salário mínimo reduzido, serviços básicos inexistentes (água, luz, transportes) são suficientes para os governantes serem considerados culpados e ocorrer a opção pelo autoritarismo. Esquecem aqueles que assim pensam ser impossível juntar "liberdade" com "autoritarismo", porque, como já afirmou o Vice-Presidente José Alencar, essa mistura "é como cruzamento de cavalo com vaca: não puxa carroça, nem dá leite".

    A ARMA É O VOTO LIVRE     

    Diante de quadro tão assustador, o caminho urgente será conscientizar as massas, de que o desenvolvimento econômico e a democracia não podem ser entendidos como conceitos opostos. Ao contrário, são dois lados de uma mesma moeda. Há que se estabelecer claramente para o povo a profunda diferença entre a "democracia como sistema de organização política" e o "desempenho individual dos governantes". Um mau governo não pode jamais legitimar, ou justificar a alternativa do golpe militar com o surgimento de "líderes messiânicos", que prometem resolver tudo da noite para o dia. A arma do povo nas democracias é o voto livre. Tudo terá solução, se ele for valorizado e usado conscientemente. Caso isto não ocorra, fatalmente o caos se estabelecerá. A responsabilidade maior, portanto, continuará sempre do povo.

    DÚVIDAS SOBRE A DEMOCRACIA

    Para os que têm dúvidas acerca do significado da democracia vale a pena lembrar Churchill: "A democracia é a pior forma de Governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos. O político deve ser capaz de prever o que vai acontecer amanhã, no próximo mês e no próximo ano e de explicar depois o "porquê" de não ter acontecido".

    O pensador Rosavallon lembrou, que "a democracia parece sempre uma pergunta que nenhuma resposta adequada pode ser dada". É justamente a certeza de nenhuma resposta ser definitiva, que faz prosperar a idéia da liberdade na democracia. Na história do mundo, o autoritarismo surgiu toda vez que se tentou, em nome da democracia, instalar sistema de governo com todas as respostas satisfatórias. Hitler é o maior exemplo. Nunca existiu ditador que não se auto-intitulasse "democrata" e defensor das liberdades. Porém, somente através de instituições legislativas e judiciárias soberanas, torna-se possível defender a liberdade e preservar a democracia. Não há meio termo, porque no dizer de Fernando Sabino "a democracia é dá ao maior número o ponto de partida; mas o ponto de chegada depende de cada um".

    Os regimes autoritários buscam sempre atuar na economia com "mão de ferro" para "mostrar serviço à população". Qual foi o país no mundo que viveu em ditadura - de direita ou de esquerda - e dessa forma resolveu os seus problemas econômicos? Ao contrário, o agravamento foi a rotina no passado, em função de endividamentos a longo prazo, cujos efeitos apareceram décadas após.

    A DITADURA COMO SOLUÇÃO        

    Aceitar como solução a ditadura, sob qualquer pretexto, é destruir direitos fundamentais do cidadão, como por exemplo: igualdade entre os homens e as mulheres; fazer ou deixar de fazer algo, somente em virtude de lei; vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante; inviolabilidade do direito de crença e de consciência; direito à assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; inviolabilidade da vida privada, da intimidade, da honra e imagem das pessoas; o princípio de que a casa é asilo inviolável, em que ninguém pode penetrar, salvo por ordem judicial; a preservação do sigilo da correspondência, dos telefones e dados; liberdade para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão; liberdade de imprensa; livre locomoção no território nacional; liberdade de associação para fins lícitos; garantia do direito de propriedade, respeitado o interesse social, na forma constitucional; garantia aos autores e inventores do uso de suas obras e inventos; presença permanente do Judiciário, quando ocorrer lesão ou ameaça de direitos; garantia do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito; inexistência de crime sem lei anterior que o defina; a lei penal não retroage para condenar; punição às discriminações; respeito à integridade física e moral dos presos; exigência do processo legal para privar alguém dos seus bens ou da liberdade de ir e vir; ninguém ser culpado até o trânsito em julgado da condenação; qualquer prisão ter que ser imediatamente comunicada ao judiciário...

    O APELO DE KOFI ANNAN

    Irracional e injustificável negar que a democracia seja o único instrumento capaz de superar as desigualdades e estabelecer o império da lei e do bem-estar social.

    O Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, observou ao lançar a esta pesquisa das Nações Unidas: "A solução para os problemas latino-americanos não está no retorno ao autoritarismo. Reside em uma democracia mais forte e enraizada".

    A pesquisa da ONU deu o retrato da realidade. Agora, resta o desafio de eliminar o risco de troca da democracia pela ditadura na América Latina. Esta é a tarefa de todos.

    Coluna Publicada aos domingos
    nos jornais O POTI e GAZETA DO OESTE
    Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte



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