Marca Maxmeio

Opinião

  • 08 de Abril de 2006

    “FUROS” DE UM REPÓRTER

    2006-all.jpg

     

     

     

               Esteve em Natal neste final de semana o amigo e jornalista português Manuel Carlos Chaparro. Ele fez palestra no “27° Congresso da Sociedade Brasileira de Estudos Acadêmico e profissional”. Atualmente, é professor livre-docente de jornalismo da USP. Aposentado, dá aulas e orienta a pós-graduação. Além disso, escreve textos de crítica à mídia para sites e jornais do Brasil e de Portugal, autor de livros e palestras sobre jornalismo.

                Juntamente com um assistente potiguar, residente em São Paulo – o jornalista Ciro Pedroza - Chaparro coordena um curso de complementação universitária – Repórter do Futuro - para a formação de repórteres (função em extinção no jornalismo brasileiro), ensinando os segredos da reportagem para os jovens jornalistas.

    O CONVITE DE D. EUGÊNIO

                Em 1961, pressionado pela ditadura salazarista, D. Eugenio Sales, então arcebispo de Natal, convidou-o para dirigir o jornal católico semanal “A Ordem”. Um ano antes, em 1960 (com 15 anos), iniciei-me como repórter na “Rádio Rural”, na “Ordem” (após já ter trabalhado na Tribuna do Norte), além de prestar serviços ao setor de politização do SAR (Serviço de Assistência Rural).

                Tornei-me amigo e admirador de Chaparro, desde a sua chegada à cidade de Natal. Casado com uma mulher extraordinária, a portuguesa Conceição (já falecida), ex-militante do movimento da juventude agrária católica, passou a viver no bairro de Morro Branco. O casal firmou grande amizade com Irmã Lúcia, hoje diretora da “Casa do Menor Trabalhador”, uma das obras mais sérias de assistência aos jovens do Brasil e da América Latina.

                Calmo, percuciente em suas análises, com sentimento cristão arraigado, inspirava confiança na convivência. Nunca observei incorreções ou falsidade em suas ações. Ao chegar à direção da ORDEM, encontrou-me com uma coluna assinada (Política Nacional), o sonho de todo jornalista. Sem nada vetar, convenceu-me de que eu seria melhor repórter do que articulista. Reagi, em princípio. Mas, aceitei.

    GANHEI O PRÊMIO ESSO

                Lembro-me quando me chamou na redação e disse: “você é furão e perspicaz. Faça uma série de reportagens e vire pelo avesso esta cidade de Natal. Mostre o que ninguém mostrou, ainda, sobre Natal”. Entusiasmei-me. Logo intitulei a série de reportagens: “A cidade por dentro”. Parti para as favelas, ruas, vielas, residências ricas, praias, periferia. Descobri histórias e quadros incríveis. Concorri com esta série ao galardão maior do jornalismo, que era o prêmio Esso regional de reportagem. Ganhei o prêmio. Tinha 17 anos de idade. Meses depois, durante a “semana da Asa”, ganhei outro prêmio, da Aeronáutica. Tive direito a estágio no Jornal doBrasil, no RJ.

                Sempre estimulado por Chaparro, “furei” como repórter. Certa vez, Celso Furtado dirigia a SUDENE e se negava a falar à imprensa. Em Recife, fiquei na porta do seu gabinete (sem almoçar, nem jantar) e quando ele saiu, à noite, encostei-o num corredor e, de gravador em punho, colhi entrevista exclusiva.

    ENTREVISTA COM LACERDA

                Em outra oportunidade, fui ao Rio de Janeiro, em um congresso estudantil. Era o ano de 1963. Larceda, governador do RJ, fazia violenta oposição a Jango, o Presidente. Chaparro desafiou-me: “tente entrevistar Lacerda”. Colocou em brios o meu trabalho de repórter. Hospedado na residência de dona Rosa (uma potiguar, gentil, que alugava cômodos do seu apartamento), li cedo O GLOBO. Lá estava o anúncio de uma entrevista de Lacerda às 10h, no Palácio das Laranjeiras. Cheguei às 8h. Identifiquei-me e subi para a sala da entrevista. Depois das 10h, veio o anúncio. O governador só receberia às 13h. Fiquei lá de plantão.

                Quando se aproximou o horário previsto, perguntei onde Lacerda ficaria. Sentei-me ao seu lado e pedi ao fotógrafo do Palácio uma foto. Tudo deu certo. Sob os olhares de protesto da grande imprensa nacional, comandei a entrevista. Depois de expor pesadas críticas a Jango, não deixei que ninguém lhe perguntasse. Logo me apresentei e perguntei-lhe o que achava do trabalho social da Igreja. Lacerda olhou-me fixo, ajeitou os óculos e disparou: “a Igreja tem o dever de pescar almas. Ocorre que ela está colocando na ponta do anzol iscas sociais e se preocupa mais com a isca do que com o peixe”. Riso geral dos presentes. Não me perturbei e fiz outras perguntas ao governador. A entrevista (com foto) saiu na primeira página da ORDEM (tenho este jornal) e a gravação foi divulgada na Emissora de Educação Rural de Natal. Uma vitória.

    JUSCELINO-PRESIDENTE EM FÉRIAS

                Já depois da revolução, Juscelino estava em campanha à Presidência. Visitaria Natal. Chaparro comprou uma passagem aérea e mandou-me esperá-lo em Recife, para “furar” a imprensa local. JK desceu no aeroporto Guararapes e ao tomar um cafezinho, obtive entrevista exclusiva e gravada. Perguntei se ele seria mesmo candidato à Presidência. Respondeu-me: “não serei candidato. Já sou um Presidente em férias”. Talvez pela sua aceitação popular, meses depois era cassado pela Revolução. Peguei um avião na frente de JK e antes que ele abrisse a boca em Natal, eu já colocava as suas declarações na Rádio Rural e depois na ORDEM.

                Nas vésperas de ser deposto, João Goulart (Jango) veio a Natal. Estimulado por Chaparro “furei” o bloqueio da Aeronáutica em Parnamirim. O Presidente da República, ao descer do avião, ao lado do general Castelo Branco – então Chefe do Estado Maior (foto publicada na ORDEM) - falou com exclusividade à ORDEM e Rádio Rural. Quase fui preso pelo tenente responsável pela segurança presidencial.

                Aldous Huxley afirmou que a “experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece”. Aconteceu na minha vida ser amigo de Chaparro, desde a adolescência. Aprendi muito com ele. Ainda hoje, na vida pública, agradeço aos seus ensinamentos, típicos de um profissional da comunicação, honrado, ético e cristão. Obrigado, Chaparro.

    Publicado em 09.04.2006 nos jornais O POTI e GAZETA DO OESTE.


Notice: Undefined variable: categoria in /home/neylopescom/public_html/noticia.php on line 42

Notice: Trying to get property of non-object in /home/neylopescom/public_html/noticia.php on line 42

Notice: Undefined index: pagina in /home/neylopescom/public_html/noticia.php on line 42

Notice: Undefined variable: totalPaginas in /home/neylopescom/public_html/noticia.php on line 42

Notice: Undefined offset: 1 in /home/neylopescom/public_html/restrito/incs/funcoes.php on line 618