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Opinião

  • 08 de Junho de 2012

    Advogado e lavagem de dinheiro

    2012-06-10-opiniao

     

    Na cena nacional tema curioso em debate. Um procurador federal acusa o ex-ministro da justiça e advogado Márcio Thomaz Bastos de praticar crime de lavagem de dinheiro, receptação intencional de atividades criminosas e pede até a sua prisão em flagrante. O motivo é o profissional exercer a defesa do indiciado Carlinhos Cachoeira e receber os honorários contratados.

    Embora o caso “Cachoeira” envolva situações diferentes e atípicas, cabe levar em consideração o princípio constitucional do direito a ampla defesa. Sob este aspecto, se chega a pensar que haja a intenção de reeditar, em pleno século XXI, condenação antecipada, semelhante à pena de deportação imposta a Emile Zola, no século XIX, pelo fato dele ter feito a defesa de Alfredo Dreyfus, acusado à época da autoria de uma carta, que oferecia documentos militares aos alemães, encontrada pelo serviço de contra-espionagem da França.  Quando Zola redigiu a famosa carta intitulada “Acuso”, a qual resultou no reconhecimento do erro judiciário de condenação, Dreyfus, o capitão israelita do exército francês, era execrado pela opinião pública e já havia sido condenado a degradação militar como “traidor da pátria”, deportado para a ilha do Diabo. Rui Barbosa escreveu um notável artigo a favor de Dreyfus. Na defesa do acusado sobressaíram os advogados franceses Labori e Demange.

    O fato é inquietante e coloca em risco a indispensável estabilidade institucional da missão do advogado numa sociedade livre. Colocou bem o presidente da OAB-SP, Dr. Luiz Flávio D’Urso ao afirmar em nota oficial “que o papel do advogado é obrigatório e absolutamente indispensável para que se obtenha justiça, além de que jamais se pode confundir o advogado com seu cliente. Rui Barbosa foi incisivo ao afirmar que ninguém é indigno de defesa”.

    Não se trata de analisar a figura do acusado, Carlinhos Cachoeira. O inaceitável é confundi-lo com o seu advogado, e em conseqüência promover o “linchamento” de um profissional conceituado, pelo fato de exercer a advocacia, de acordo com as normas legais vigentes.

    A prestação de serviços de qualquer profissional liberal, independente de ser advogado, pressupõe respeito à lei, a ética, e em conseqüência, o recebimento de honorários, recibo passado e impostos recolhidos. Em razão dos princípios constitucionais da individualização da pena (art. CF 5º, inc. XLV) e da legalidade penal (artigo 5º, inciso XXXIX), esse profissional não pode ser confundido com um suposto crime de lavagem de dinheiro praticado pelo cliente, ainda sem condenação transitada em julgado. Sabe-se que no direito criminal, a receptação de recursos de atividades criminosas impõe o dolo direto, com a finalidade de obter para si o produto do crime. De que forma um advogado, no exercício legítimo da sua profissão, poderá ser acusado de tais crimes?

    A advocacia confunde-se com as liberdades humanas. Ela nasceu nas assembléias gregas há cerca de quinhentos anos antes de Cristo, através do convencimento de teses e argumentos, que levavam os cidadãos a absolver ou condenar. A ausência de um advogado de defesa levou Sócrates à condenação, por recusar o culto aos deuses do Estado e ser tido como corruptor da juventude, por defender idéias filosóficas em público.

    Rui Barbosa legou a memorável lição, de que “onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial”. O ora acusado pelo procurador federal, nada mais faz do que tentar apurar os grãos de verdadeiro direito, em defesa do seu cliente. O advogado defende o acusado e não o crime. Por isso, não pode ser vítima de acintes e enxovalhamento moral. Tem razão o Dr. Márcio Thomaz Bastos, quando cita o advogado americano Edward Williams: "Defendo os clientes da culpa legal. Julgamentos morais eu deixo para a majestosa justiça de Deus".

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    Ney Lopes – Jornalista; advogado, professor
    de direito constitucional e ex-deputado federal.

    Publicado aos domingos nos jornais
    DIÁRIO DE NATAL e GAZETA DO OESTE
    Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte


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