Opinião

• 08 de Maio de 2011

  Um gesto de grandeza

  

   

  Hoje, nem tanto. Mas no passado, o PT orientava a sua conduta política com base no conselho de Chacrinha: “não vim pra explicar. Vim pra confundir”.   Em episódio recente, o PT voltou a seguir Chacrinha, ao fazer duras críticas a um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardozo sobre “O papel da oposição”, antes mesmo de ser publicado na revista “Interesse Nacional”. FHC no ensaio sociológico colocou no debate político brasileiro, a prioridade a ser dada à nova classe média emergente. As críticas vieram com o objetivo de anular os efeitos do artigo, ou por não terem lido, ou apenas treslido, ou entenderam às avessas, de propósito. O ex-presidente Lula, com doutoramento em Coimbra, disparou que “sinceramente não sei como alguém estuda tanto e depois quer esquecer o povão. O povão é a razão de ser do Brasil. E do povão fazem parte a classe média, a classe rica, os mais pobres, porque todos são brasileiros.”

  Por ironia do destino, quem acabou apoiando e avalizando o ponto de vista do ex-presidente Fernando Henrique foram a Presidenta Dilma Rousseff e o seu vice-presidente Michel Temer. A chefe do governo, em sua proclamação no último 1º de maio, citou enfaticamente a prioridade que deve ser dada à classe média, justamente o que afirmara FHC. Declarou que “no nosso país, a balança da justiça social está mais próxima do seu ponto de equilíbrio, mas os pratos desta balança só estarão plenamente equilibrados quando houver menos peso sobre os pobres e sobre a classe média”. Mais adiante, a Presidenta voltou a tocar nessa prioridade com maior ênfase, ao dizer: “são programas que beneficiarão tanto os mais pobres como os filhos da classe média, que cresce vigorosa em nosso país”. No mesmo discurso, a Presidente falou duas vezes sobre a classe média, em relação a compromisso específico do seu governo e a elevação do padrão de vida.

  O vice-presidente Michel Temer, com inegável estatura intelectual, declarou à imprensa que é necessário dar prioridade à classe média. Foi mais além: “não se trata de esquecer os pobres, é claro. Mas eles já têm programas de assistência. Assim, identifico essa gente toda que ascendeu socialmente como um público a ser atendido, provavelmente com ainda maior incremento”.

  Não é possível “tapar o sol com uma peneira” e negar o papel da nova classe média emergente, no momento político brasileiro. Tudo começou a partir do Plano Real, dos governos FHC, Lula e do vertiginoso crescimento da economia mundial. Segundo estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas), cerca de 29 milhões de pessoas entraram para a classe C, a partir do início do século. A classe média passou a ser composta por quase 95 milhões de pessoas, representando mais de 50% da população brasileira. O fato significa que ela representa parcela da população, capaz de decidir uma eleição, além de já ter atingido o status de razoável poder de compra no Brasil. Mais do que as classes A e B, juntas.

  Inegavelmente, o artigo escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique despertou o governo para o risco de perder o diálogo com a classe média. Por esta razão, o PT teve uma recaída e distorceu o verdadeiro sentido do texto divulgado. Voltou a imitar Chacrinha – “não vim pra explicar. Vim pra confundir”.   A Presidenta discordou, talvez por ter sido vencida na escolha da presidência do seu partido e, em represália, destacou no pronunciamento de 1º de maio a importância da nova classe média brasileira, juntamente com o seu vice, o jurista Michel Temer. Os dois seguiram as mesmas justificativas sociológicas de FHC e comprovaram que ele tinha razão. Um gesto de maturidade política e grandeza democrática, sem dúvida!

  

  • Ney Lopes – Jornalista; advogado, professor
    de direito constitucional e ex-deputado federal.

  Publicado aos domingos nos jornais
  DIÁRIO DE NATAL e GAZETA DO OESTE
  Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte
  

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