Marca Maxmeio

De Olho Aberto

  • 13 de Abril de 2008

    Caminho sem volta

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    Dói saber que uma criancinha como a menina Isabella de Oliveira Nardoni foi jogada pela janela de um prédio, em São Paulo e morreu.

    Como advogado por vocação, dói também assistir na “telinha”, nas “ondas” e “colunas” da mídia nacional, o apoio incondicional à sanha do promotor de justiça Francisco Cembranelli, insurgindo-se contra a concessão de uma ordem de hábeas corpus, que recolocou em liberdade o pai e a madrasta da vítima – Alexandre e Anna Carolina.

    Esclareça-se, por fundamental, que jamais desejo assumir a responsabilidade de inocentar o casal. Em absoluto. É perfeitamente possível que, no futuro, venha a ser provada a responsabilidade deles – ou de um deles – no assassinato. Porém, no momento nada existe de concreto.

    O fato revela profunda fragilidade das instituições brasileiras. O que acontece hoje com os acusados poderá acontecer amanhã com qualquer cidadão. Ou seja, o envolvimento numa malha de acusações divulgadas com sensacionalismo na imprensa e a opinião pública mobilizar-se contra, ao ponto de ameaçar a integridade física dos personagens.

    O desembargador Caio Canguçu de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao libertar a prisão requerida pelo Ministério Público, mencionou um dogma no Direito, que é a “presunção de inocência”.

    A Constituição brasileira resguarda este preceito, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CF).

    Por outro lado, a lei 7.960, de 1989, estabelece as regras para a prisão temporária, que não pode ser confundida com a prisão preventiva.

    No caso da morte de Isabella, a pedido do Promotor foi decretada a prisão temporária de Alexandre e Anna Carolina. Tal medida teria que ter sido justificada por elementos de prova suficientes – indícios de autoria – que demonstrassem, de forma inequívoca, o fato da prisão do casal ser imprescindível para o sucesso das investigações em curso, no inquérito policial.

    O critério básico desse tipo de prisão cautelar é o “periculum libertatis”, o que significa dizer, o perigo dos acusados ficarem em liberdade e prejudicarem, por ação ou omissão, a investigação da Polícia.

    A lei, doutrina e jurisprudência vão mais além, na defesa da “presunção constitucional de inocência”. São exigidos, ainda, dois elementos para a decretação da prisão temporária.

    Quando o indiciado não tiver residência fixa, ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade' (inciso II), ou quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação nos crimes que elenca (inciso III).

    O desembargador Caio de Almeida mencionou no despacho revogatório da prisão do casal, que “os tribunais de todo o país, sensíveis a tal entendimento, não se furtam à proclamação de que, "quando o réu é primário, tem bons antecedentes, não apresenta periculosidade para a sociedade e comparece normalmente ao ser convocado pela autoridade policial, fica evidente a carência de justificativa para a manutenção de sua prisão temporária" (STJ - 6ª Turma - HC 6610/PA, rel. min. Anselmo Santiago); ou de que "não se prende somente pelo fato de o caso ser de difícil elucidação ou apenas para a facilitação do trabalho policial. Prende-se, excepcionalmente, apenas quando o indiciado, solto, dificultar ou frustrar a produção de provas, hipótese não demonstrada nestes autos" (TRF 1ª Reg. - 4ª Turma - Rel. João V. Fagundes); ou, ainda, de que "a prisão provisória, de natureza processual, medida que implica o sacrifício à liberdade individual, deve ser concebida com cautela, em face do princípio constitucional da inocência presumida, impondo-se, por isso, que a medida tenha por base motivos concretos..." (STJ - 6ª Turma - HC 7655/GO, rel. Min. Vicente Leal); ou, também, de que "a prisão temporária de indiciados em inquérito policial, instrumento legal de repressão à criminalidade instituído pela Lei 7.960/89, é cabível tão-somente se presentes algumas das hipóteses inscritas no art. 1º do citado diploma legal... Ausentes as circunstâncias mencionadas na Lei regente, impõe-se a revogação da prisão temporária" (TRF 1ª Reg. - 3ª Turma - HC 92.01.060130/DF, rel. Min. Vicente Leal)”.

    A morte da pequena Isabella traz a julgamento o Ministério Público e a imprensa. Ambos, instituições respeitáveis e absolutamente imprescindíveis. Porém, não podem ficar à margem do controle social e sanções impostas pela democracia, sob pena de consagrarmos a esdrúxula teoria da “ditadura da liberdade”.

    A liberdade para ser exercida terá que ser vinculada à responsabilidade, sobretudo em relação à incolumidade e intimidade das pessoas.

    A defesa da sociedade pelo Ministério Público pressupõe reconhecer as garantias e direitos individuais, definidos no artigo 5º da nossa Constituição.

    A liberdade de imprensa – inclusive o dogma do sigilo da fonte – significa a informação enxuta, sem aditamentos que induzam culpa por antecipação. Uma coisa, por exemplo, é divulgar as investigações policiais em torno do caso Isabella, outra é fazer como uma apresentadora nacional de TV – certamente em busca de ganhar pontos no IBOPE – quando criticou diretamente a Polícia de São Paulo, que cumpria o seu dever constitucional, ao montar aparato para assegurar a liberdade do casal, após o despacho judicial que o libertou.

    A apresentadora de TV chegou a afirmar que aquele aparato deveria ser colocado no combate à violência e não a assassinos.

    Dois graves equívocos: insurgiu-se contra uma ordem judicial, cometendo desobediência civil. E criticou a Polícia, que era fiel à ordem constitucional e a legislação.

    De outro lado, como reage a opinião pública?

    Claro que reage – em grande parte- na forma que é induzida pelos órgãos de comunicação. O cidadão, em princípio, acredita no que vê, ouve ou lê, salvo senso crítico mais aguçado. Por isto, quem influi no pensamento coletivo tem que agir com ética, parcimônia e senso de responsabilidade.

    Não apenas neste caso específico, mas sempre.

    O Brasil está desgarrando para níveis preocupantes na área da “opinião pública” induzida.

    Sobretudo, quando se fala da classe política é bastante a notícia do fato para criar o “julgamento condenatório automático e transitado em julgado”. Não há mais tempo para a defesa.

    Regra geral, uma única pessoa – física ou jurídica – acusa e julga automaticamente.

    Grave perigo para as instituições e a liberdade humana.

    Como afirmou o desembargador Caio de Almeida, “qualquer decisão que se profira, não pode vir fundada em simples e falíveis suspeitas, em desconfianças ou deduções cerebrinas...”.

    O julgamento de alguém, além da necessária legalidade, envolve um ato profundamente humano. Tem que ser revestido de cautela e segurança nos fatos.

    Cabe ao julgador, a coragem de reprimir os excessos, sobretudo da opinião estimulada pela “verdade divulgada”. Isto não representa decretar inocência. No caso que se comenta, a concessão do habeas corpus – repita-se – não traduz a inocência do casal acusado.

    Trata-se apenas de não repetir a cena, quando Cristo se apresentou aos olhos da multidão, no centro do Pretório romano e Pilatos apontou para Ele dizendo: «Aqui está o homem» (Jo. 19, 5)”.

    E a multidão respondeu: «crucifica-o!».

    Entre Cristo e os ladrões, a opinião pública optou pela morte do Salvador.

    Por tais razões, quem acredita na democracia e liberdade humana como dogmas terá que condenar aqueles que buscam “o minuto de glória na mídia” e praticam verdadeira conspiração contra os ideais de liberdade humana, antecipando condenações.

    Todo cuidado é pouco para quem age assim.

    Um dia é da caça; outro é do caçador.

    Hoje, estão no centro do debate Alexandre e Anna.

    Amanhã, poderá ser qualquer um de nós, diretamente ou através de familiares, em situações e circunstâncias as mais diferentes.

    O respeito à lei e as liberdades humanas deve ser cultivado, como quem cuida de um canteiro de rosas. Descuidando, corre-se o risco da praga destruir tudo.

    Um verdadeiro caminho sem volta!

    Coluna semanal
    blog NO MINUTO
    www.nominuto.com.br


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