Brasília em Dia
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23 de Janeiro de 2010
Chile: nem esquerda, nem direita
Absolutamente falso afirmar, que nas recentes eleições do Chile a vitória de Sebastián Piñera significa a volta da direita ao poder e a derrota da esquerda.
O Chile é considerado a "Taiwan" da América Latina, em razão do seu elevado nível de estabilidade econômica. Todo este processo desenvolvimentista sucedeu a ditadura de Augusto Pinochet. Após atravessar as turbulências de um regime militar, as lideranças políticas do país priorizaram a "governabilidade" e não "ideologias".
As ideologias incentivam o dogmatismo, o radicalismo e a intolerância no mundo. Sobrevivem as doutrinas, assim entendidas como princípios rígidos, que se adaptam as circunstâncias do tempo e do espaço.
A experiência histórica demonstra que, colocadas numa bandeja, as concepções capitalista, socialista, marxista, liberal e outras têm acertos e desacertos. Nenhuma é infalível. As soluções eficazes nascem do equilíbrio e preservação de princípios (e não de dogmas), além da criatividade daqueles que exerçam funções públicas, ou privadas.
Sabe-se que a governabilidade democrática coloca-se como o único caminho para a realização das reformas exigidas pela sociedade. Sem ela, não haverá governo estável, em razão da sobrecarga das demandas sociais e a falta de condições políticas para atendê-las. O tema entrou do debate político-administrativo mundial na década de 60, quando a euforia desenvolvimentista dos anos 50 foi substituída pela busca da estabilidade política.
O Chile coloca-se como o exemplo de busca permanente da governabilidade latino-americana. Lá foi construída uma coalizão política, ampla e pluralista, denominada "Concertación", em 8 de fevereiro de 1988, composta pelo Partido Democrata Cristão, Partido pela Democracia, Partido radical social democrata e Partido Socialista. Tudo começou, quando Pinochet convocou plebiscito para referendar a sua permanência na presidência da República. Derrotado, convocou eleições gerais. A oposição manteve a unidade e apresentou como candidato único Patrício Aylwin, que venceu. Por vinte anos, a "Concertación" manteve-se no poder, com os presidentes Eduardo Frei, Ricardo Lagos e Michelle Bachelet.
A estabilidade política e a preservação da governabilidade conduziram o Chile para a sua integração no processo de globalização mundial, com menos custos sociais e a legitimidade do sistema político do país. Não houve adesões, nem fisiologismos. Apenas, a definição clara do que é o interesse nacional, através de propostas e alternativas.
O debate da governabilidade começa pela prioridade dada a todos os temas que levem à unidade, afastando aqueles que dividem. Significa respeito recíproco, diante da diversidade e diferenças naturais entre os partidos. Trata-se de superar divergências e aproximar convergências.
Em 1994, quando presidente do Parlamento Latino-Americano (Parlatino), promovi em São Paulo a "I Conferência Latino-Americana de Partidos Políticos" sobre Democracia e Governabilidade. Ao abrir os trabalhos declarei ser "indispensável ter em mente que os partidos devem buscar a governabilidade presente e futura, em nome do bem estar social. Se não mudarmos a nossa forma de agir politicamente, a sociedade nos mudará, no sentido de substituir-nos". Participaram do evento mais de 300 parlamentares de 70 partidos da América Latina, Caribe e Parlamento Europeu.
A principal conclusão daquela Conferência é ainda atualíssima. Concordaram os participantes que "a confrontação entre partidos e os diferentes graus dos poderes públicos, aumenta os níveis de instabilidade política e dificulta planos de desenvolvimento na América Latina e Caribe. Grande parte das dificuldades da ação política é porque os adversários são tratados como inimigos. Conseqüentemente, é preciso criar instâncias de discussão multipartidária, nas quais se promova a realização de acordos de governabilidade entre as diferentes forças políticas dos países. Dada a imensa gama de interesses na sociedade, os acordos de governabilidade podem ser viabilizados em função de uma visão do desenvolvimento nacional - ou de "projeto político" - de longo prazo, elaborado e baseado nos propósitos comuns a todas as forças políticas, tais como, a paz, a justiça social, a equidade, a superação da pobreza, a integração regional, a plena vigência da democracia e outros."
Após a vitória eleitoral, o presidente eleito, Sebastián Piñera, recebeu o seu opositor Eduardo Frei e pediu-lhe apoio para governar. Os chilenos, mais uma vez, confirmam que a polarização e os rótulos ideológicos são coisas do passado. A eleição foi decidida, em função de propostas e capacidade gerencial de quem irá colocá-las em prática.
No Chile, portanto, continua ganhando a legítima democracia!
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