Brasília em Dia
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13 de Junho de 2009
A morte da cidadania
O princípio da segurança jurídica é o alicerce do Estado de Direito. Tem vinculação com os direitos e garantias fundamentais.
A proposta de emenda constitucional n° 12/06, em tramitação na Câmara dos Deputados, fulmina a segurança jurídica da cidadania, na medida em que destina ao pagamento de precatórios – débitos transitados em julgado – apenas 2% da receita corrente líquida. No caso de prefeituras, o limite é de 1,5%. Como conseqüência, o cidadão levará décadas para ter o seu direito reconhecido, apesar do pronunciamento definitivo dos tribunais.
Muitos não viverão o bastante para obter a justa reparação de atos ilícitos.
Como se não fosse suficiente, a PEC destina 30% do valor, que for destinado para os precatórios, aos que estão em andamento e 70% para pagamento em forma de leilão, com enorme deságio.
O conteúdo da PEC 12/06 agride vários princípios da Constituição vigente. Por exemplo: o ato jurídico perfeito, a isonomia e, sobretudo, a separação dos poderes, na medida em que subtrai do Poder Judiciário a eficácia das suas decisões. O mais grave (quase inacreditável) é que a proposta suspende todas as sanções aplicáveis aos governantes inadimplentes, nos casos de violação de princípios orçamentários.
Sem dúvida, a aprovação da PEC 12/06 propiciará aos administradores a cobertura legal para o desrespeito às decisões judiciárias, além do benefício de não pagar de imediato. De que valerá recorrer à justiça, se o cumprimento das sentenças se transformar em letra morta quando prolatadas contra o Estado? A vigência da mudança institucionalizará o calote oficial no país.
Compreende-se a responsabilidade social do poder público e o fato de os recursos orçamentários serem limitados para o atendimento das carências coletivas. Isto jamais poderá justificar que se descarte o respeito aos direitos e garantias dos indivíduos, por meio do recurso à justiça, assegurado constitucionalmente. A PEC 12/06 é uma “bomba relógio” no solapamento desses direitos e garantias.
Por que o ente privado sofre todas as sanções nos casos de não cumprimento de uma decisão judicial e o poder público fica imune? Já existem na legislação muitos privilégios e prerrogativas especiais para o Estado, tais como, foro obrigatório na capital do estado ou território; prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer; reexame obrigatório das sentenças que julgarem procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública; fixação diferenciada dos honorários advocatícios em caso de sucumbência, mediante apreciação equitativa do juiz e observados o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para execução da sua tarefa; dispensa de depósito prévio para o ajuizamento de ação rescisória; dispensa de pagamento de custas para a interposição de recursos; dispensa do adiantamento das despesas dos atos processuais eventualmente requeridos, pagos ao final pelo vencido; audiência prévia em caso de requerimento de medida liminar em ação possessória; impenhorabilidade de seus bens, mesmo os dominicais, ou seja, aqueles que não estão destinados nem a uma finalidade comum, nem a uma especial e constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado (art. 99, do CC).
Curiosamente, toda a gama de proteção e privilégios dados ao Estado no sistema legal brasileiro contrasta com regra clara do atual Código de Processo Civil, que estabelece, no artigo 125, o equilíbrio das partes em litígio para que tenham as mesmas oportunidades de demonstrar suas razões e fazer valer os seus direitos.
Ouvi, certa vez, o competente ministro José Delgado, do STJ, afirmar que “não há mais campo propício para se defender, como se vem fazendo há muitos anos, a supremacia da vontade do Estado nas relações jurídicas em que ele se torna parte. A força do caráter público desse liame não permite acentuar um flexionamento mais intenso em favor do Estado. Há de se criar mecanismos processuais que se compatibilizem com o valor que hoje é atribuído à cidadania e que assegurem a plena aplicação do princípio da igualdade, mesmo sendo o Estado uma das partes litigantes.”
No cumprimento das suas funções sociais, o Estado brasileiro já dispõe de proteção suficiente no sistema legal vigente. A PEC 12/06, se aprovada, significará acréscimo desnecessário e decretará a morte da cidadania. A consequência inevitável será o cidadão enfrentar verdadeira via crucis nas várias etapas do processo judicial para, no final, “ganhar e não levar”.
Com a palavra a Câmara dos Deputados!
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