Brasília em Dia
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18 de Julho de 2008
A 'onda' das prisões
Os extremos sempre se opõem. Em nome do necessário combate à corrupção, procuram-se anular os mecanismos inibidores do abuso de autoridade. Tem razão o ministro Gilmar Mendes – presidente do STF –, quando propôs reformular a legislação que regula tais excessos, herdada do período militar. Na democracia, é fundamental o respeito ao Poder Judiciário, cuja autonomia funcional dos seus membros pressupõe o reconhecimento das decisões terminativas do Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição. “A Corte erra e acerta por último”. Entendimento contrário seria ideologizar as funções judiciárias e assemelhar o Brasil a uma Alemanha nazista ou Estado soviético do passado.
Nos últimos dias, foi preocupante o tom dos pronunciamentos oficiais em busca de capitalização eleitoral da imagem do “governo justiceiro”, no encalço de corruptos. Propagou-se na mídia a idéia de que “se pobre é preso, o rico também deve ter o mesmo tratamento”. Felizmente, o bom senso prevaleceu com o anúncio do “pacto” entre Executivo e Judiciário, em favor da preservação dos direitos e garantias individuais.
As mudanças na legislação que regula abuso de autoridade não significarão transformar a Polícia Federal em vilã dos processos repressivos. Serão regulados e apurados os excessos de “quem mandou” ou se omitiu e nunca apenas de “quem executou”.
Em relação ao papel do Poder Judiciário, se tenta, subliminarmente, propagar a idéia de erros sucessivos. Repete-se, equivocadamente, que “a polícia prende, mas a justiça solta”. Ninguém pode ser considerado culpado, apenas por ser preso ou suspeito, salvo nas tiranias. O direito não é uma ciência exata. As decisões judiciais aplicam a lei e são subjetivas. Infelizmente, há o raciocínio simplista e maniqueísta entre o que é bom e ruim; entre o pobre castigado e o rico libertado.
As diferenças de classes – ricos e pobres – são chagas sociais expostas. Lastimavelmente, o acesso desigual ocorre em relação à justiça, à saúde, ao transporte, ao emprego, a bons advogados etc... O Poder Judiciário não pode ser responsabilizado. Cabe ao governo dotar o Estado de Defensorias Públicas para atender aos pobres. Jamais estimular – mesmo indiretamente – uma verdadeira luta de classes.
Do ponto de vista jurídico, a impressão é que a “onda” de prisões vincula-se à interpretação do conceito de prisão temporária. A lei 7.960/89 criou essa hipótese, porém a vinculou a requisitos básicos: ser imprescindível para a investigação policial; o acusado não oferecer meios de identificação e existirem razões concretas e objetivas de autoria de delitos. Na prática, torna-se subjetivo o juízo da “prisão imprescindível”, considerando o direito constitucional do réu ao silêncio (artigo 5°, LXIII da CF) e a não “se auto-incriminar” (Pacto Internacional de Nova York, artigo 14°, 3, g, e o Pacto de San José da Costa Rica, artigo 8°, 2, g). Salvo exceções, a prisão temporária tem servido para intimidação e pressões em favor da chamada delação premiada.
O direito brasileiro não permite o abuso de prisões cautelares, grampos telefônicos e condena expressamente a privação de liberdade para “realizar o interrogatório dos acusados”. No Brasil, o uso de algemas, indiscriminadamente, constitui “vazio na lei” penal. O artigo 199 da Lei de Execução Penal prevê a regulamentação por decreto, o que não aconteceu até hoje – 24 anos após a vigência daquela legislação. Aplicado o princípio “na dúvida, a favor do réu”, conclui-se que as algemas somente podem ser usadas nas hipóteses de resistência à prisão. Isto para evitar que o “pobre ou o rico” sejam levados à execração pública, antes do devido processo legal.
Na “operação mãos limpas” da Itália, o jurista Norberto Bobbio advertiu que o respeito aos direitos individuais permite “avaliar a real observância do Estado de Direito e distinguir a civilização da barbárie”. Tudo começa pela preservação das garantias do cidadão, mesmo que isto não renda popularidade e votos.
A Espanha, que viveu – como o Brasil – longo período autoritário, proíbe prisões na residência, diante de filhos e familiares, a não ser de delinqüentes perigosos, para evitar dano à imagem de quem se presume inocente. No Brasil, a Constituição veda tratamento degradante ao cidadão, assegura a inviolabilidade da imagem, o respeito à integridade física e moral e a presunção de inocência (artigo 5°, III, X, XLIX e LVII, da CF).
Ultimamente, até a imprensa recebeu ameaças. O repórter divulga o fato. Se a informação era sigilosa, o vazamento será culpa de quem não guardou o sigilo e nunca de quem divulgou o ocorrido com a proteção constitucional do segredo de fonte. A imprensa livre cumpre o seu dever de informar. Nada mais que isto.Coluna semanal
Revista Brasilia em Dia
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