Brasília em Dia
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16 de Março de 2007
Reforma ou 'Meia Sola'?
Ao comentar a reforma política registro os depoimentos de dois parlamentares, que passaram por momentos difíceis na vida pública: senador Fernando Collor e deputado Ibsen Pinheiro. Ao retornarem ao Congresso defendem, com prioridade absoluta, uma reforma política, eleitoral e partidária. Atribuo aos dois sinceridade de propósitos. Até porque, eles sabem - por terem sofrido na pele - o quanto é cruel, sob todos os aspectos, o sistema jurídico-legal vigente em relação ao processo eleitoral e ao próprio exercício do mandato.
Penso, logo digo... Sou céptico em relação à aprovação da reforma política necessária ao país. Já assisti a esse filme várias vezes Em razão da minha longa vivência no Congresso Nacional (seis legislaturas), quando se volta a falar no assunto continuo a ter a sensação – Deus queira que me engane –, daquela advertência feita por Sancho Pança a Dom Quixote para que ele não confundisse os moinhos de ventos com gigantes imaginários. O conselho era lógico e se apoiava na realidade. Mesmo assim não prevaleceu. No relato de Cervantes, o Cavaleiro termina impondo a sua vontade e convence até o próprio Sancho, que muda de idéia e se transforma em governador de uma ilha.
Há mais de dez anos, o Congresso Nacional considera prioritária a reforma política. Sempre no início das legislaturas, como agora. Aponta-se a realidade de mazelas, deformações e vícios. Ao aproximar-se a hora de decidir, em nada se altera a realidade existente. Mantem-se, por ação ou omissão, o quadro de abusos – políticos e econômicos – semelhante ao que se repetiu na última eleição.
Muitos “reformadores” defendem reforma profunda, desde que não lhes prejudique na carreira política. Tem prevalecido historicamente à transformação do interesse público em interesse da sobrevivência. O Brasil continua refém da mais obsoleta e superada legislação eleitoral e partidária do planeta. Na hora h surgem aqueles que recomendam prudência e reflexão, sempre para estancar o processo reformista. Imagine justificar-se tal atitude numa matéria que vem sendo discutida há quase década e meia no Congresso!!!
Jamais será aprovada uma reforma política, eleitoral e partidária sem que se considerem os ganhos, as perdas e os sacrifícios, a favor de um Ideal maior, traduzido no aperfeiçoamento da democracia brasileira. Ninguém pode exigir o “haraquiri” da classe política. Todavia, mudar significa coragem de alterar regras, comportamentos e enfrentar riscos. O quadro atual assemelha-se a uma septicemia política, com as bactérias mortais atingindo o organismo eleitoral e partidário.
Por tudo isto, não há que se falar em “meia reforma”, em “reforma possível”, em “busca de consenso”, até porque como bem disse o deputado Ibsen Pinheiro a democracia não é regime do consenso, mas sim da maioria. O país não pode conviver com as regras atuais, nem na próxima eleição municipal.
COMO ADMITIR-SE...
Como admitir-se a reeleição de um governante num país de excluídos, ele continuando no poder, administrando a sua própria campanha? Como admitir-se o “emprego indireto” do Bolsa Família, que a pretexto de distribuir renda e combater a pobreza transformou-se em moeda eleitoral? Como admitir-se que a manipulação pública e notória de pesquisas seja entendida como livre manifestação de pensamento e por isto permitida? Como admitir-se um sistema de eleição proporcional em que o companheiro de partido é o maior inimigo do outro companheiro, que disputa um mandato? Como admitir-se o fortalecimento do Partido, democratizá-lo internamente – e para isto há que se mudar o texto constitucional sobre autonomia partidária –, sem valorizar a militância e implantar a “votação por lista partidária”, assegurados os meios de combate às “oligarquias partidárias”, através de recurso ao Poder Judiciário? Como enfrentar a nefasta influência do poder econômico, senão através do financiamento público de campanha e severa fiscalização aos transgressores, inclusive cassações sumárias de registros em plena campanha?
Chegou-se literalmente ao fundo do poço. Negar isto é seguir o conselho de Nelson Rodrigues: “finge-te de idiota e terás o céu e a terra”.
Estou convencido – depois de quase quarenta anos de vida pública – que durante o processo eleitoral justificam-se, em nome do princípio de maior lisura do pleito, até a suspensão temporária de certas garantias e direitos individuais. Aliás, isto já existe, quando uma TV é retirada do ar por divulgar notícias favoráveis ou ofensivas a candidatos, mesmo existindo a liberdade de imprensa. Tais procedimentos excepcionais deveriam ampliar-se durante a eleição, como forma de intimidar os transgressores e puni-los exemplarmente.
Aguardemos o que vai acontecer. Caso a reforma se transforme em “meia sola” ou “faz de conta” as conseqüências serão mais graves do que os males atuais. Aliás, Nabuco já advertiu no passado: “Esperar, quando se espera alguma coisa, é sabedoria; mas esperar por esperar, esperar porque não há suficiência para resolver e coragem para executar ... é o maior de todos os erros".Revista Brasília em Dia
17 de Março de 2007 - 533
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