Opinião

• 02 de Maio de 2010

  Legalidade de proibir a “ficha suja”

  

   

  O projeto de lei complementar n.º 518/09, de iniciativa popular, que proíbe candidaturas de pessoas com “ficha suja”, se arrasta na Câmara dos Deputados. A promessa é votar esta semana para valer na próxima eleição. Mais uma vez lembro a máxima do engraxate de Luís Eduardo Magalhães: “do jeito que as coisas vão, não há perigo de melhorar a política brasileira”. O quadro é realmente de mal a pior!

  Quem se opõe ao projeto alega que a condenação criminal, sem transitar em julgado, não pode tornar o cidadão inelegível por ferir a “presunção de inocência”, de que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

  No direito constitucional há o princípio de que a Carta Magna não contém palavras vazias. A “presunção de inocência” em matéria eleitoral terá que ser aplicada, em função dos artigos 14 § 9° e 15, inciso III, da Constituição de 1988. Senão vejamos.

  Justifica-se a necessidade de aprovação do projeto 518/09 pelo fato do Congresso Nacional, até hoje não ter tido a coragem de regulamentar o artigo 14 § 9° da Lei Maior, que exige, desde 1988, “vida pregressa” limpa do candidato. A atual proposta preenche este vazio e torna inelegíveis “os que forem condenados em primeira ou única instância ou tiverem contra si denúncia recebida por órgão judicial colegiado pela prática de crime descrito nos incisos XLII ou XLIII do art. 5º da Constituição Federal, ou por crimes contra a economia popular, a fé pública, os costumes, a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente, a saúde pública, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e drogas afins, por crimes dolosos contra a vida, crimes de abuso de autoridade, por crimes eleitorais, por crimes de lavagem e ocultação de bens, direitos e valores, pela exploração sexual de crianças e adolescentes e utilização de mão-de-obra em condições análogas à de escravo, por crime que a lei comine pena não inferior a 10 (dez) anos, ou por houverem sido condenados em qualquer instância por ato de improbidade administrativa, desde a condenação ou recebimento da denúncia, conforme o caso, até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena".

  O projeto em debate, com base no artigo 14 § 9° da CF, considera os que tenham “ficha suja” impossibilitados do registro da candidatura, porém continuarão com o direito de votar em quem quiser, exercício pleno da cidadania e dos direitos políticos.  Se esta regra fosse idêntica a suspensão dos direitos políticos (art. 15, inciso III da CF), como se diz falsamente, as conseqüências seriam mais amplas, ficando os atingidos proibidos de votar, propor ação popular e desempenhar qualquer função ou cargo público. São dois conceitos constitucionais absolutamente diferentes.

  O projeto 518/09, portanto, não trata da suspensão de direitos políticos. Trata exclusivamente de mais uma hipótese de proibição de candidaturas e por isto não fere a “presunção de inocência”, porque o atingido continuará a exercer todos os demais direitos da cidadania. Não passa de engodo esta história de exigir sentença condenatória transitada em julgado para proibir candidatura. Atualmente, a condenação criminal transitada em julgado já implica automaticamente em tal impedimento. Exigir o que já está na lei é apenas “pano de fundo” para defender a “ficha suja”. A ética política impõe que seja criada nova inelegibilidade, levando em conta a vida pregressa dos candidatos.  Esta é a questão.

  Ficarão com a “ficha suja” todos aqueles que impedirem o Congresso de aperfeiçoar a legislação vigente. Se isto ocorrer, o eleitor terá que ser juiz ao votar.

  • Ney Lopes – Jornalista; advogado e ex-deputado federal

  Publicado aos domingos nos jornais
  DIÁRIO DE NATAL e GAZETA DO OESTE
  Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte

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