Brasília em Dia
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01 de Maio de 2010
A “via crucis” do consumidor
O leitor, por acaso, já tentou cancelar serviços de celular, internet, TV a cabo, cartão de crédito, seguro-saúde, etc.?
Recentemente, passei horas e horas pendurado ao telefone para cancelar, em São Paulo, um “pacote” de TV, internet e celular. Ainda não consegui. Desesperado pelas ligações telefônicas, que caíam uma após outra, propus encaminhar o pedido por e-mail ou ir ao escritório da empresa. A resposta foi que não aceitavam cancelamento por escrito, nem via internet, e a empresa não tinha escritório. O atendimento era exclusivamente pelo telefone. Verdadeira prática de sadismo, com a clientela indefesa.
Quem atende o “call center” (central de atendimento) é treinado para cansar o cliente. Faz perguntas estapafúrdias. Depois que a reclamação é registrada, a atendente diz que o assunto não é com ela e transfere a ligação para outro setor. A linha cai. É preciso ligar de novo. Na ligação seguinte, ouvem-se fitas gravadas, músicas e comerciais da empresa.
Na última de uma série de mais de dez chamadas, a atendente exaure todas as hipóteses para evitar o cancelamento solicitado. Sugere que transfira os serviços para um filho ou amigo. Sem outro argumento, disse-lhe que era celibatário, vivia isolado, estava “quebrado” e não tinha dinheiro para pagar as contas. Por tal motivo, o cancelamento era inevitável, já que iria morar no Japão como “dekassegui” (denominação dada aos trabalhadores estrangeiros). A moça não hesitou: “ótimo! Os nossos serviços funcionam no Japão. Vou transferir a sua conta de celular para lá. Dê-me o seu novo endereço!”. Recusei com veemência e irritação. Ainda deu para ouvir o sussurro dela: “seja educado”. E a linha caiu, mais uma vez.
Volto a ligar e informo o CPF, a identidade, os nomes de pai e mãe, etc. Uma voz do “além” atende e, após dramático apelo, aceita cancelar o “pacote de serviços”. Solicito o número do novo “protocolo” de atendimento, para comprovar o cancelamento. Àquela altura, já haviam me dado quatro protocolos diferentes! A informação é que vale- ria o primeiro número dado. Perguntei qual era este primeiro número. A atendente negou-se a informar o protocolo exato do último cancelamento e desligou. O quer fazer? Reclamar a quem? Que prova tinha do pedido de cancelamento? Não uso tranquilizantes, mas pensei em procurar um médico para receitá-los.
Mesmo com a ação da Justiça, das agências reguladoras e dos serviços de proteção ao consumidor, quem se de- para com situação semelhante está sujeito a tudo. Inclusive, ter um enfarte fatal e morrer.
A prova deste risco está na ação judicial originária de Uruguaiana, Rio Grande do Sul, na qual a empresa Brasil Telecom S/A foi condenada a pagar R$ 20,4 mil de reparação por danos morais, em razão da morte de cliente que sofreu enfarte enquanto tentava cancelar um serviço usando o sistema de call center, vindo a falecer dois dias depois (proc. n° 71002173979). A decisão unânime foi tomada pela 3ª Turma Recursal Cível, dos Juizados Especiais do Estado.
O juiz relator, Carlos Eduardo Richinitti, destacou em seu voto que “o desgaste e o descaso relatados acontecem com milhares de pessoas todos os dias, envolvendo a Brasil Telecom e outras empresas de grande porte, que dispensam a seus clientes um atendimento que só é bom, atencioso e exemplar no momento da contratação e que gera, sim, indignação a qualquer um que tenha o dissabor de tentar um contato para solucionar eventual problema advindo da relação continuada”.
O magistrado descreveu no acórdão exatamente a experiência acontecida comigo: “tente-se ligar para reclamar de uma cobrança ou de um serviço mal prestado. Entra-se, em regra, em um círculo de intermináveis horas preso ao telefone, ouvindo-se a irritante música referida pela testemunha, um atendente passando para outro, quase nenhum vinculado com o resultado, dificilmente obtendo-se sucesso no pretendido, pois ainda que haja promessa, protocolada, de solução, não raro a conta seguinte repete o erro, para todo o desgaste começar de novo”. A ação foi ajuizada por Elainee Margarete Ferreira dos Santos Bulling, viúva do cliente Carlos Moacir Bulling, que era titular de linha telefônica à qual estava vinculado o serviço da empresa BR Turbo.
Chega a hora de eliminar a “via crucis” a que são submetidos diariamente milhares de consumidores. Impõe-se legislação severa que obrigue que as empresas atendam diretamente aos usuários, com prazo para a solução, sepultando de vez as “vozes” extrassensoriais do “call center”...
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