Opinião
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26 de Junho de 2004
BRIZOLA E O PODER DO VOTO
BRIZOLA
E O PODER DO VOTOTranscorria o ano de 1988. Era candidata à prefeita de Natal a atual governadora Wilma de Faria, eleita deputada federal pelo PDS (1986) e que trocara a sigla pelo PDT, presidido pelo ex-governador Leonel Brizola. O PFL indicou o meu nome para a vice-prefeitura. O deputado Henrique Alves (PMDB), nosso maior adversário, recebia o apoio do seu pai, Aluízio Alves, Ministro da Administração e amigo íntimo do então Presidente José Sarney, além do governador e do prefeito de Natal, à época, Geraldo Melo e Garibaldi Alves Filho. Na condição de deputada federal constituinte, a candidata Wilma permanecia muito tempo em Brasília, votando a nova Constituição. Por delegação dela, assumi a parte inicial da campanha em Natal. Percorri os bairros com os “debates populares”, abrindo diálogo direto com o povo. No início, surgiram muitas dificuldades para o senador José Agripino apoiar Wilma. Sem o PFL, não existiria candidatura. José Agripino enfrentou os riscos, coligou-se com o PDT e assegurou apoio à candidata.
BRIZOLA EM NATAL
Em meados de outubro de 1988, chegava a Natal Leonel Brizola, recentemente falecido, para participar de concentração em prol da nossa coligação. Wilma preparava o comício que faríamos à noite na Praça Gentil Ferreira, no Alecrim. Por isto, levei os dois visitantes para a minha residência, na rua Romualdo Galvão, onde ficaram do meio dia até a hora do comício (20 horas). Durante horas e na intimidade, pude privar da convivência de um homem, que já naquele tempo havia escrito na história do Brasil páginas de bravura, coragem e destemor.
Sempre tive muita admiração pelo governador Brizola. Na década de 60, jovem estudante, participava no Rio de Janeiro de um congresso da UNE e acompanhei o seu histórico debate com o governador Carlos Lacerda. Dois estilos, dois talentos políticos, e, sobretudo, dois gigantes no poder da oratória e da argumentação. Ao final do debate, não hesitei em opinar pelo empate. Nenhum conseguira superar o outro.
A DIFÍCIL CAMPANHA DE NATAL
Depois do almoço, em que apreciou a nossa carne de sol, macaxeira e arroz de leite, descansou numa rede branca. Inquieto, em menos de uma hora levantou-se. E conversamos muito. Ney Júnior não parava de tirar fotos e chamar os vizinhos e amigos para verem Brizola de perto. Cassiano Arruda, no meio da tarde, chegou com a equipe de TV, que produzia os nossos programas eleitorais. Colheu vários depoimentos do ex-governador. O jornalista Miranda Sá não escondia o entusiasmo pela presença do seu líder histórico.
A nossa campanha transcorria com obstáculos, quase intransponíveis. Faltava tudo para as mobilizações. Salvo algumas atitudes pessoais, ninguém colaborava com medo do Governo. O argumento usado era sempre o mesmo: “afinal vocês não querem que me prejudique, sofrendo represálias”. O clima era tão fechado que pensei ter perdido todos os amigos que fizera na vida. A palavra “gesto” sofria um racionamento sem limites na cidade de Natal. Nestas horas se conhece melhor as pessoas.
BRIZOLA NO ÚLTIMO LUGAR
“Governador Brizola, qual foi o momento mais difícil da sua vida pública, em que o senhor sentiu as pessoas fugindo para não se comprometerem?” – perguntei-lhe enfaticamente. Não hesitou um segundo e disse ter sido a eleição para Governador do Rio de Janeiro em 1982. Relatou, que acabava de chegar do exílio em 1979, quando perdeu a sigla do PTB para a filha de Getúlio, Ivete Vargas. Sem partido, fundou o PDT e resolveu disputar o Governo do Rio de Janeiro.
No início da campanha, era o último colocado com 2 a 3% nas pesquisas. O governador Chagas Freitas apoiava Miro Teixeira. Além deste, eram candidatos Sandra Cavalcanti - liderava as pesquisas – e Welington Moreira Franco.
Recordo Brizola ter afirmado, que muitas vezes na campanha fazia caminhadas próximas ao seu apartamento em Copacabana, por lhe faltar dinheiro para a gasolina do único “trio elétrico” que dispunha.
O PODER DO POVO
No dia 15 de novembro de 1982, surpreendentemente, Leonel Brizola ganhou a eleição para governador do Rio de Janeiro, após ter tido a coragem de denunciar um esquema de fraudes a partir da contagem e totalização dos votos, feitas pela empresa de informática “Proconsult”.
“Em política, quando o povo quer nada impede. Às vezes, os excessos dos governos e o dinheiro em abundância até ajudam a gente” – declarou Brizola, numa frase que nunca esqueci.
Em 15 de novembro de 1988, Wilma e eu também ganhamos a eleição em Natal.
O MEU APOIO A BRIZOLA
Em 1989, votei em Brizola para Presidente, a pedido da prefeita. Achei que isto ajudaria a administração municipal, caso Brizola fosse eleito. Consultei José Agripino e ele me liberou por achar que fortaleceria Wilma.
Andei grande parte do Estado, fazendo a campanha presidencial de Brizola. Nesta época, conheci César Maia, um dos nomes mais ligados ao candidato. Ao final, por uma diferença de 0.5%, Brizola deixou de ir para o segundo turno. Ganhou a eleição Fernando Collor de Melo.
Em 1990, fui candidato a deputado federal e tive grandes dificuldades na eleição. A prefeita, que sempre tinha o meu apoio na vice-prefeitura, rompeu com o PFL e o seu esposo, Lavoisier Maia, foi candidato a governador contra José Agripino. Permaneci no PFL e apoiei José Agripino para Governador do Estado, que ganhou a eleição. Neste mesmo ano, no Rio de Janeiro, Brizola voltava a eleger-se governador do Rio.
MORREU UM LÍDER DO SÉCULO
Morreu na última segunda, Leonel Brizola. Um verdadeiro líder do século XX. O seu perfil sempre foi de político tenaz e aguerrido. Filho de um lavrador, chegou pelo voto popular duas vezes ao Governo do Rio Grande do Sul e duas vezes ao do Rio de Janeiro, além de mandatos legislativos e a Prefeitura de Porto Alegre.
Ao falar sobre o poder do voto popular, os seus olhos brilhavam. Lembro a sua face enrubescida na minha casa em Natal, ao descrever os discursos que fazia em 1982, quase isolado, nas favelas e bairros cariocas. Com que alegria concluiu a narrativa da sua campanha “quase impossível”, ao dizer: “venci porque o povo não dobrou a espinha aos poderosos”.
Brizola é realmente um exemplo. A sua principal lição foi a obstinação de lutar, mesmo diante da adversidade. Agora, ele percorre os caminhos indecifráveis da eternidade, sem perder, com certeza, o perfil de firmeza, característica maior da sua vida. Que Deus o proteja.
Coluna Publicada aos domingos
nos jornais O POTI e GAZETA DO OESTE
Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte
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