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Opinião

  • 19 de Maio de 2012

    Brasil, ainda uma democracia adolescente

    2012-05-20-opiniao

     

    Algumas pessoas capazes de prestar serviço público à coletividade estão se afastando dos cargos e da atividade política pelo temor de terem as suas vidas devassadas do dia para noite. A culpa não é dos órgãos judiciais. Eles aplicam a lei. Impõe-se um amplo debate no Congresso Nacional sobre o alcance de certos institutos jurídicos, como a prisão cautelar e a delação premiada, que precisam melhor regulados. A prisão cautelar não pode significar a execução antecipada da pena. Conflita-se com o princípio da presunção de inocência. A delação premiada como ferramenta jurídica leva o criminoso a beneficiar-se do seu próprio ato ilegal.

    A democracia brasileira pós 1964, ainda não saiu da adolescência e como tal sofre as síndromes de inquietação e angustias da própria idade. A impressão que se tem é que o país regride à época de Diógenes de Sínope (413-323 a.C.). Sínope tornou-se um mendigo andarilho em Atenas. Ele costumava carregar uma lanterna acesa, em plena luz do dia, e dizia que assim procedia para tentar encontrar homens íntegros. Mostrava-se desiludido com a Grécia, que estava sendo tomada pela falta de escrúpulos. Ele buscava pessoas que vivessem segundo a sua própria essência, capazes de prestar serviços à coletividade. Era um seguidor de Antístenes, o fundador do movimento cínico.

    Inegavelmente, existem mazelas sociais que exigem punições rigorosas. Entretanto, os extremos se opõem. Tenta-se substituir um passado recente de proteção e cooptação com práticas corruptas, por uma nova realidade, na qual sobressai, em algumas situações, a hipocrisia política da falsa moralidade. Instigada, a opinião pública em êxtase se comporta como Diógenes de Sínope, carregando uma lanterna, em pleno meio dia, para encontrar pessoas dignas. Generaliza-se o descrédito nas instituições e nas pessoas que as representam. Desaparece pouco a pouco a preocupação de separar o joio do trigo. Propaga-se de alto e bom som que todos calçam 40.

    Como consequência imediata, aqueles que poderiam contribuir na prestação de serviço público, se afastam de funções ou mandatos para não correrem o risco do descrédito e até da morte moral. Temem serem confundidos com aparências de práticas ilícitas, antes mesmo da formação da culpa. Impossível alegar o ditado popular de que quem não deve não teme. Muitas vezes, a fisionomia mais culpada é a do inocente, como dizia o saudoso Professor Mario Moacir Porto. Quem não tem culpa daquilo de que é acusado, poderá se confundir nas explicações dadas, por ser tomado de surpresa. Ao contrário, os culpados e marginais preparam as suas defesas e álibis com antecipação. Daí dizer-se que a fisionomia mais culpada passa a ser a do inocente.

    Esse quadro social confuso e instável confirma a adolescência da nossa democracia. Um dia, quando o país atingir a idade democrática adulta, os crimes terão que ser combatidos. Porém, sem os excessos contidos na atual legislação. E também sem a permissão tácita de intimidações aos julgadores, que ficam acuados e temerosos de respeitarem o “devido processo legal”, diante do risco iminente de acusações públicas de cumplicidade. Compreende-se que as investigações apurem fatos de forma confidencial, como é o caso da quebra do sigilo telefônico ou bancário. Negar tal direito seria encobrir a ilicitude. O que não se compreende é que a privacidade, a ampla defesa, o contraditório, o direito a imagem, sejam tidos como instrumentos “démodées” e formas indiretas de facilitar a impunidade. Uma sociedade que agir assim, pouca diferença terá do nazi-fascismo.

    Há necessidade de urgente rediscussão legislativa do sistema legal nacional. Além disso, as normas vigentes terão que ser aplicadas com mão dupla. Por exemplo: se é exigida a ficha limpa do político, deve igualmente ser investigada e punida à ficha suja do eleitor. Não há corrupto, sem corruptor. Afinal, a liberdade começa no respeito às garantias e direitos do cidadão. Se negados tais princípios, a democracia passa a ser um “faz de conta” e contribui para que o país permaneça na adolescência institucional.

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    Ney Lopes – Jornalista; advogado, professor
    de direito constitucional e ex-deputado federal.

    Publicado aos domingos nos jornais
    DIÁRIO DE NATAL e GAZETA DO OESTE
    Natal e Mossoró - Rio Grande do Norte


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